segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

Resenha de Na Natureza Selvagem, Jon Krakauer



“Há muito tempo que o Alasca atrai sonhadores e desajustados, gente que acha que a vastidão imaculada da Última Fronteira irá preencher todos os vazios de sua vida. Porém, o mato é um lugar que não perdoa, que não dá a mínima para a esperança ou desejo” (p.10).



Na Natureza Selvagem (Into The Wild) é um livro-reportagem escrito pelo jornalista Jon Krakauer que conta a história de Cristopher MacCandless, um jovem que ficou conhecido nacionalmente em 1992 por ter largado tudo para trás e morrido no ônibus abandonado 142 de Fairbanks, em meio a sua aventura pela trilha Stampede no Alasca, onde pretendia viver por algum tempo de caça e colheita.

Christopher era um jovem de classe média alta, criado no subúrbio de Washington que abominava o estilo de vida de seus pais e o american way of life como um todo. Depois de sua formatura na Universidade de Atlanta, doou todos os 24 mil dólares de sua poupança para uma instituição filantrópica e partiu para concretizar seu plano de realizar a trilha de Stampede com o menor número de recursos materiais possíveis, vivendo essencialmente daquilo que fosse fruto de seu esforço pessoal.

Ok. Eu sei que nesse ponto do texto você deve tá já meio puto com esse que agora considera um moleque mimado que não sabe nada da vida e que poderia tranquilamente estar numa daquelas reportagens bunda de gente com cara de modelo que “largou tudo para viajar”. Eu também tive essa resistência e até o final do livro tive sentimentos dúbios com relação ao Cristopher, mas acho que a história é mais interessante do que isso. Cristopher ficou famoso diante de seu fracasso e não pela plasticidade inalcançável da beleza e sucesso de toda uma legião de blogueiros “mochileiros”.

É relevante dizer que a viagem de Cristopher não foi um ato de impulso. Tudo indica que mesmo durante seu período de faculdade, enquanto morava sozinho, já vivia de maneira bastante minimalista. Seu quarto era hermeticamente limpo, mas não tinha muito mais do que um colchão, uma mesa e livros. Ele planejou sua ida durante um bom tempo e realizou um nível razoável de pesquisa antes de partir.

Uma vez tendo entregado o diploma aos pais, Cristopher escreveu uma carta a sua irmã Carine e caiu na estrada sem dizer a ninguém para onde ia ou quando voltava. Quando seu carro, um antigo Datson comprado alguns anos antes com o dinheiro guardado que havia recebido por alguns trabalhos, ficou preso em uma enchente a caminho de seu destino, Cris resolveu não só deixar o carro e quase todos seus pertences para trás como também todo o dinheiro que tinha em sua carteira, 123 dólares, os quais ateou fogo e tirou uma foto. Seguiu para a estrada com uma mochila contendo alguns poucos quilos de arroz, alguns livros, sua câmera e outros poucos itens.

Cris era um rapaz com o caráter formado por leituras de autores como Tolstoi, Jack London e Thoreau. Ao longo de todo o livro, Jon Krakauer apresenta trechos sublinhados por Cris nos livros que haviam sido encontrados com ele dois anos e alguns meses após sua partida. Dentre eles, está um trecho de Felicidade Familiar de Tolstoi que não carece de maiores explicações:

“Eu queria movimento e não um curso calmo de existência. Queria excitação e perigo e a oportunidade de sacrificar-me por meu amor. Sentia em mim uma superabundância de energia que não encontrava escoadouro em nossa vida tranquila.”

Daquele momento em diante, Cristopher passou a se identificar como Alexander Supertramp. Viveu os próximos dois anos na estrada se preparando para sua aventura na trilha Stampede, percorrendo o território estadunidense, pedindo carona nas estradas e caminhando grandes distâncias. Durante esse período, Alex trabalhou em diversos lugares, dentre eles, em uma franquia do McDonalds como chapeiro e como faz tudo consertando escavadeiras na pequena cidade de Cartago, na Califórnia.  

Todos os relatos ao longo do livro indicam que Cris era um rapaz tremendamente inteligente e agradável, mas que tinha certo apreço pela solidão e alguma dificuldade com a ideia de criar raízes. Cris parecia ter horror à trivialidade da rotina e desejava buscar por aquilo que fosse de mais essencial, dessa forma, tentava o tempo todo se desprender de tudo que aparentasse ser uma maneira de se manter em uma existência mediana naquele momento de sua vida.

Ao longo de seus dois anos de estrada, Cristopher viveu uma vida intensa e povoada ao mesmo tempo por muitas pessoas e muita solidão. Embora o rapaz tenha conhecido diversas pessoas com as quais desenvolveu afinidade, passou muito tempo completamente sozinho. Depois desses dois anos, Cris conseguiu finalmente chegar a seu destino original, a trilha Stampede. Lá viveu por 2 meses de caça e plantas e foi encontrado morto, 121 dias depois de sua chegada. Ao longo de seu diário, encontram-se relatos de absoluto êxtase e contemplação, introspecção e solidão. Em um de seus últimos escritos, “(...) em letras de forma meticulosas numa página arrancada de Taras Bulha, de Gogol, ele diz:

S O S. PRECISO DE SUA AJUDA. ESTOU FERIDO, QUASE MORTO E FRACO DEMAIS PARA SAIR DAQUI. ESTOU SOZINHO, ISTO NÃO É PIADA. EM NOME DE DEUS, POR FAVOR FIQUE PARA ME SALVAR. ESTOU CATANDO FRUTAS POR PERTO E DEVO VOLTAR ESTA TARDE. OBRIGADO.

Ele assinou o bilhete ‘CHRIS MCCANDLESS, AGOSTO?’. Reconhecendo a gravidade de sua situação, abandonou o apelido pretensioso que vinha usando havia anos, Alexander Supertramp, em favor do nome que recebeu de seus pais ao nascer” (p.128).

Apesar do desespero expresso nesse bilhete, além do simples contar dos dias registrados no papel, Cris fez duas anotações. Uma delas sobre seu maravilhamento diante de frutas que havia encontrado e outra dizendo que teve uma vida feliz e agradecia à deus. As últimas fotos encontradas no filme de sua máquina registram seu corpo tremendamente magro e já desnutrido, mas sempre um sorriso no rosto e um olhar quase sempre tranquilo. Quem lê seu diário e vê suas fotos acredita que Cris morreu não com pena de si mesmo, mas em paz.



Este livro inspirou um filme de mesmo nome e, embora eu goste muito do filme, devo dizer que o livro trás consigo um diferencial importante, Jon Krakauer. A sensibilidade do autor ao construir a narrativa do livro composto por trechos do Diário de Cris, feito no livro de botânica levado pelo rapaz como guia para sua alimentação durante a viagem, as cartas trocadas entre Alex e os amigos que fez ao longo de sua jornada e os relatos desses amigos e da família MacCandless entrevistados por Krakauer são de uma sensibilidade imensa. Além disso, o autor traz também algumas outras histórias de jovens em diferentes épocas que sumiram em busca de uma aventura que os levasse ao limite, inclusive dele próprio. É bastante óbvia a identificação do jornalista com Cris e se você é alguém que algum dia já desejou seriamente se jogar no mundo, provavelmente vai se identificar de alguma maneira também. 

 Cartão postal enviado por McCandless ao seu amigo Burres


Desde quando saiu como reportagem na revista Outside, a história de Cris evocou diversas cartas de pessoas do país todo com os ânimos à flor da pele. Eu particularmente me solidarizei com o desespero dos pais dele em certo ponto do livro (acho que estou ficando velha), mas a maioria das cartas parecia estar obstinada a condenar o rapaz como o maior e mais estúpido pecador de todos os tempos, embora tenha conseguido sobreviver 2 anos na estrada, 2 meses na trilha Stampede e tenha morrido por conta de um descuido pouco óbvio. A irritação de alguns leitores direcionada a Cristopher faz parecer que era pessoal. Talvez, afinal de contas, como diz Krakauer, essa irritação seja fruto de algum nível de identificação com o rapaz, em quem os leitores conseguem ver algo de suas juventudes, uma vez que ‘(...) o comportamento de risco é um rito de passagem em nossa cultura, não menos do que na maioria das outras” e vários de nós temos histórias provavelmente menos ousadas do que a de McCandless para contar, mas igualmente perigosas.




Àqueles que acreditam que estraguei o livro porque contei spoiler demais, digo que definitivamente o que há de mais interessante na obra são o processo de travessia e todas as pequenas histórias que compõem o seu todo. 


Deixo aqui por fim uma das músicas preferidas de Cristopher McCandless,  King of the Road de Roger Miller:




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